OS TENTÁCULOS DE DOTE
Jovem, ousado, impetuoso, com visão de
futuro. No rol empresarial a diversificação é uma marca. Adentra o ramo
de venda de veículos, passa pelo entretenimento, envereda pelo ramo de
transporte e ainda se arrisca no agronegócio. Busca expandir sempre os
próprios investimentos e trata a concorrência de forma implacável. Fosse
um empreendedor comum certamente já teria recebido algum tipo de prêmio
como ‘empresário do ano’, mas Jocicley Braga de Moura, o ‘Dote’, não é
um empresário comum. Apesar de ser considerado atualmente um dos
maiores- se não o maior- traficantes do eixo Norte-Nordeste, grande
parte da fortuna de Dote está envolta em sombras, espalhada em nomes de
terceiros, conhecidos como ‘laranjas’. O dinheiro limpa o principal
negócio de Dote, o tráfico de droga, capaz de movimentar até R$ 10
milhões por semana, do início ao fim da ‘cadeia produtiva da droga’,
segundo avaliação de um delegado especialista no assunto.
Fazem parte desse patrimônio de Dote,
segundo ainda está investigando a Polícia, uma concessionária de
veículos em Belém e outra em Fortaleza, uma aparelhagem, frota de táxi,
apto de luxo em Fortaleza, apartamentos em Manaus e Belém, imóveis em
bairros da periferia como Cabanagem e Bengui, e possivelmente imóveis
rurais como sítio e fazenda no Pará. Nada disso em nome próprio, o que
dificulta o rastreamento, mas em nomes de pessoas de confiança do
traficante, cuja escalada no mundo do crime já começa a ser considerada
umas das mais impressionantes dos últimos tempos no Estado.
Condenado a nove anos e seis meses de
prisão em regime fechado, por tráfico de drogas, pelo juiz Paulo Jussara
Júnior, da Vara de Entorpecentes e Combate às Organizações Criminosas
do Pará, em dezembro de 2010, ‘Dote’ foi preso de manhã cedo em
Fortaleza, no dia 13 de abril, uma sexta-feira, depois de uma noite de
festa em comemoração ao aniversário do filho pequeno. Um dos quatro
rebentos do traficante.
Foi preso por uma equipe de policiais
civis da Divisão de Repressão a Furtos e Roubos (DRFR), da Polícia Civil
do Pará, sob comando do delegado Éder Mauro. O traficante não esboçou
reação ao ser detido. Estava em um veículo Ecosport, cujo valor de
mercado não é menor que R$ 50 mil. Havia passado a noite nos altos de um
apartamento de luxo no bem localizado bairro de Dionísio Torres, centro
de Fortaleza. No bairro, apartamentos como o de Dote custam entre R$
680 mil a R$ 1 milhão.
O traficante se preparava para entrar em
uma concessionária de veículos que o serviço de inteligência da Polícia
Civil crê com alto grau de certeza ser mais um dos empreendimentos
disfarçados para lavagem de dinheiro. Aos 28 anos, Dote está milionário.
Pavimentou a própria ascensão social no mundo do crime de forma rápida,
com alguma dose de sorte e muito sangue derramado. Pelo menos 12
homicídios são atribuídos a ele. Sem contar o assassinato de uma
namorada em Fortaleza.
CRIA DO TRÁFICO
O tráfico vem de família. Dote cresceu
tendo a droga como companheira íntima. Com oito anos, entre uma partida
de futebol no campinho do bairro e uma empinada de papagaio, começou a
servir de aviãozinho, transportando pequenas quantidades de maconha e
executando diversos serviços aos traficantes mais velhos. “Mãe, tia,
madrinha, irmão, praticamente toda a família de Dote têm ou tiveram
envolvimento no tráfico”, diz um delegado.
Dote praticamente foi criado pela
madrinha Maria do Carmo Borges, a quem o traficante sempre considerou
uma segunda mãe. Maria do Carmo está presa por tráfico de drogas. Nos
tempos de pobreza quase extrema, Dote também foi ajudado por uma mulher
conhecida na Cabanagem como Lucídia, uma mulher magra e de muitas
palavras. Dona de um pequeno bar na rua João Nunes, a mesma onde Dote
foi criado, Lucídia sempre recebia o protegido e os companheiros de
tráfico nas comemorações das vitórias da quadrilha.
Sanguinários, vaidoso e solto por ter "bons antecedentes"
Vaidoso, gosta de baladas e de roupas
jovens de marca. Tanto que foi preso novamente quando saía de uma festa
em Manaus no início de 2009. Mas foi colocado em liberdade pela juíza
Maria Edwiges Lobato no dia 4 de março do mesmo ano. A magistrada
avaliou que ele “tinha bons antecedentes” e por “possuir residência
fixa” poderia aguardar o julgamento em liberdade. Vinte e um dias depois
foi feito novo pedido de prisão de “Dote”, pelo juiz Altemar da Silva
Paes, que redistribuiu o processo ao novo titular da Vara de Inquéritos
Policiais, juiz Pedro Pinheiro Sotero.
Zé Roberto, "Barão do Tráfico" e novo
parceiro de Dote, foi preso. Está em Americano. A captura de Dote passou
a ser prioridade. Na Delegacia do Marco, uma pasta branca amarfanhada
com um conteúdo um tanto volumoso traz na capa o título ‘Dossiê do
Número Um’. É Dote. As buscas por ele levaram as equipes policiais a
seguir os rastros do traficante no Maranhão, na região dos Lençóis
Maranhenses; em Teresina, no Piauí; em Natal, no Rio Grande do Norte, e
em Fortaleza. Dote também passou pelo Rio de Janeiro e fez viagens
internacionais.
Acostumado a grandes e confortáveis
espaços, Dote atualmente está isolado numa pequena cela, de pouco mais
de dois metros quadrados no CR 3, em Americano. É considerada a parte
mais segura do complexo penitenciário. “Mas já sabemos que o Zé Roberto
mandou que todo mundo tratasse bem o Dote”, diz Éder Mauro.
Enquanto o maior traficante da região vê
o cômodo pequeno à frente e ao lado, as peças do tabuleiro do tráfico
se movem. Há quem diga que Dandan, no Aurá, e Tiaguinho, no Bengui, de
peso mediano no comércio de entorpecentes, começam a querer alçar voos
maiores. Qual o dote que lhes será reservado?
Sangue e negócios em família
“Aos 15 anos ele já era dono de boca de
fumo. Com 17 anos já mandava na Cabanagem, no Bengui e no Jaderlândia”,
diz o delegado Éder Mauro, talvez um dos principais inimigos de Dote,
tanto que o traficante chegou a colocar a prêmio a cabeça do policial.
Algo em torno de R$ 300 mil para o executor. Nos sete anos entre o
menino que servia de aviãozinho ao dono de boca de fumo, Dote começou a
imprimir a própria marca. “Ele foi expulsando os donos de boca”, diz o
delegado. “Manda matar um e avisa que a partir daí agora é ele quem vai
tomar conta do lugar. Quem não aceitar será eliminado. Com isso ganha
respeito”. Dote foi eliminando um por um dos fornecedores concorrentes,
até chegar ao ponto em que todos os ‘boqueiros’ tinham de comprar a
droga diretamente dele.
Foi quando o jovem traficante começou a
se capitalizar. Mandava buscar pedras de ‘oxi’ fora do estado. Entre
2002 e 2007 adquiriu os primeiros 15 imóveis na Cabanagem e redondezas.
Usava muitos deles como laboratório para fabricação da droga. Mas a
Polícia destruiu cinco desses laboratórios. Em um dessas investidas
policiais houve trocas de tiro. Três soldados de Dote morreram. O
traficante mostrou que não era de aceitar traições. Encontrou quem
achava ter feito a denúncia à polícia. Enquanto diversas cédulas de
dinheiro eram colocadas na boca do desafeto, mandava que o alvo dos
disparos fosse a cara da vítima. Ao fim, doze disparos desfiguraram o
rosto do homem a quem Dote atribuía ter ‘dado o serviço’ à polícia.
Lições como essa espalhavam-se à boca pequena e a fama do traficante
crescia.
E Dote começou a usar laboratórios
ambulantes após ser surpreendido pela Polícia. Era um método simples.
Batia-se na casa de alguém e a pessoa era informada que a casa seria
usada como laboratório naquela noite.
Em 2007, veio a primeira quda. Foi preso
quando saía de uma boate no Jurunas. A Polícia ficara de campana das
20h às 8h. No carro de Dote a polícia encontrou cocaína. O traficante
ofereceu R$ 100 mil para se livrar do flagrante. Não adiantou. Foi
autuado, mas em menos de duas semanas foi liberado por intermédio de um
alvará de soltura. Uma semana depois a prisão de Dote foi decretada, mas
ele já estava foragido. A fuga resultou num encontro que mudou os rumos
do traficante-empreendedor. Dote foi para Manaus e lá fez amizade com
José Roberto Fernandes Barbosa, o Zé Roberto, considerado pela Polícia
como o ‘Barão do Tráfico’. Em Belém Dote deixou a gerência do tráfico da
Cabanagem nas mãos de Boca e Jacaré. No Bengui o escolhido foi
Tiaguinho. Dote daria um salto na carreira.
Com Zé Roberto, passou a ter contato
direto com o tráfico internacional. Virou uma espécie de ‘quase-sócio’
de Zé Roberto. Com base em Manaus, o Barão do Tráfico recebia pedras de
‘oxi’ do Peru, Bolívia e Venezuela e repassava para os escolhidos em
cidades como São Luiz e Fortaleza. Dote tornou-se o ‘homem de Belém’.
Uma pedra de oxi, com peso médio de um quilo costuma ter o preço
avaliado em cerca de R$ 20 mil. Foi esse mercado que se abriu para Dote,
sendo o único grande distribuidor aos traficantes da cidade. E Dote
aproveitou. Enriqueceu rapidamente. O traficante tem espírito
empreendedor. Por intermédio de laranjas e gente de sua extrema
confiança, passou a controlar o movimento de vans e mototáxis no bairro.
Também passou a comprar diversos imóveis. No centro de Belém teria
apartamentos avaliados em R$ 600 mil. Segundo a polícia, também seria
dono de uma aparelhagem, cujo investimento mínimo não sairia por menos
de R$ 1 milhão. (Diário do Pará) Luiz Carlos (PPSE)